quarta-feira, outubro 22, 2014

A reforma (do IRS) da treta

Aquilo a que temos assistido com a tão badalada reforma do IRS é um espectáculo deprimente conduzido por um secretário de Estado que anda armado em  ministro da propaganda do micro-governo do CDS, usando o aumento brutal dos impostos para produzir engodo eleitoral que permita a salvação de Paulo Portas ou, pelo menos, a  sua própria promoção dentro do CDS. Às vezes até se fica com a impressão de que Paulo Núncio já nem pensa em eleições legislativas e usa o protagonismo mediático em favor de uma futura candidatura à liderança do CDS.
  
Num dia o então ministro Vítor Gaspar aumentou as taxas do IRS e acabou com uma série de benefícios fiscais, sem consultar nada nem ninguém, sem anuncia qualquer reforma do IRS, sem apelar a qualquer entendimento com o PS e, muito provavelmente, sem sequer ouvir o secretário de Estado. Agora o IRS tem direito a conselho de ministros dedicado ao tema e a uma séria de entrevistas e comunicações feitas por um secretário de Estado apostado em querer passar a ideia de que os portugueses vão pagar muitos mais impostos mas podem ficar descansados porque graças ao seu esforço as taxas não vão aumentar.
  
Durante meses o Núncio promoveu uma campanha de promoção pessoal, tornando seus os resultados do aumento da eficácia fiscal resultantes de investimentos tecnológicos iniciados quando ele ainda usava fraldas e usou a reforma do IRS para sua promoção junto dos sectores mais conservadores da sociedade, isto é, dentro do seu próprio partido. Tenta passar a ideia do alívio fiscal e acaba com uma reforma do IRS “amiga da família”, um conceito que é mais ideológico do que económico ou fiscal. A única medida desta reforma é precisamente presentear as boas famílias cristãs que recusam a contracepção com um benefício fiscal.
  
Por um lado o Lambretas acaba com os apoios sociais, corta nos abonos de famílias, amontoa as crianças nas creches públicas. Por outro, o Núncio anuncia a boa-nova de que as famílias numerosas terão um bónus no IRS e à falta do alívio fiscal tão prometido por Paulo Portas todo o CDS se empenha neste gesto de grandeza governamental para com a boa família cristã. O problema é que começa a perceber-se que o benefício fiscal das famílias numerosas não é financiado pelo aumento da eficácia fiscal mas muito provavelmente pelo aumento do IRS pago que não casa nem procriam. Digamos que uns beneficiam de ser bons cristãos, outros pagam uma taxa suplementar do IRS pelo pecado da fornicação.
  
Talvez o Núncio consiga chegar à liderança do CDS graças às muitas horas de televisão que um tal Paulo Ferreira e outros lhe têm concedido nas televisões por conta de uma falsa reforma do CDS. Mas é óbvio que em Fevereiro ou Março a maioria dos contribuintes já percebeu o logro em que caíram. O governo que agora diz que não aumentou os impostos vai cobrar muito mais impostos em IMI, em IRS, em ISP e em IEC e até dos sacos de plástico que depois dirá ter sido o resultado do aumento da eficácia fiscal, como também já atribuiu a esta eficácia fiscal receitas como a resultante de um perdão fiscal com que ajeitou as contas de 2012. Ironia das ironias é ver o governo compensar a redução do IRS sobre os que não usam a borrachinha com um imposto a pagar pelos que usam sacos de plástico.

Esperemos pelo próximo ano para que o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e o seu coordenador da área económica do governo venham explicar um pouco melhor a tese de que os portugueses que fornicam sem procriar não serão penalizados pelo Deus do fisco ou que não houve um aumento dos impostos. Mas sempre podemos dizer que os portugueses têm mais sorte com o Núncio do que teriam com os magistrados dos supremos, se fossem estes a decidir sobre os benefícios fiscais das famílias numerosas teriam reduzido a metade os benefícios a conceder aos contribuintes com mais de 50 anos.