quinta-feira, abril 10, 2014

Fotografias de Abril

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Para um jovem de 1974 a viver em Vila Real de Santo António ter uma máquina fotográfica seria uma excentricidade, além disso estaria muito longe dos acontecimentos para poder fotografar o 25 de Abril. Aliás, o 25 de Abril levou algumas horas a chegar por ali, uma terra a que o regime tinha posto uma cruz em cima para efeitos políticos. Havia quase um PIDE por metro quadrado, mas pelo menos era uma terra limpinha, tão limpinha que teria deixado o papá do Pedro Rabbit melhor impressionado com a Metrópole.
  
Nesse tempo as notícias ou chegavam pela TVE ou na carrinha que trazia os jornais lá para as oito horas da noite. Nesse dia o Chavelhita, o ardina local, passou-se e perante tanta gente a querer o jornal pegou no embrulho, foi ao meio da Praça Marquês de Pombal e atirou-o ao ar, cada um serviu-se e deixou o dinheiro na banca. Era uma figura curiosa este Chavelhita, o irmão tinha estado na guerra da África onde a família Rabbit tinha uma vida farta em terras muito limpinhas, mas veio com aquilo a que hoje se chamaria stress de guerra, naquele tempo era louco e repetia incessantemente que “e as catanas era bifes, quem passa por elas é que sabe”.
  
No dia seguinte a sede da PIDE foi cercada e lá se convenceram de que o 25 de Abril era a valer. O chefe era o Baía que deixou alcunha ao pelado onde se jogava à bola e era visita regular do Centro da Juventude, onde jogava xadrez enquanto o Bento vinha para rua gritar Piggy, Miss Piggy, a porquinha dos Marretas que com a pronúncia local além de porco em inglês soava a PIDI.
  
Do 25 de Abril, acontecimento que graças a um irmão que nesse tempo era um jovem oficial da Escola Naval soube com antecedência, quando se deu o 16 de Março avisou em casa que brevemente aconteceria mais alguma coisa. E aconteceu, mas eu não estava lá para fotografar. As máquinas eram um luxo e a revelação de um rolo dava para alimentar uma família durante dois ou três dia.  E paga-se primeiro e via-se o resultado depois, tudo era revelado e focadas ou desfocadas as cópias eram pagas. Cada rolo tinha 12, 24 ou 36 fotografias que com algum jeito ao coloca-lo na máquina conseguiam-se mais duas.
  
Mas um amigo e visitante do Blogue teve mais sorte, idade e dinheiro do que eu, estava no meio dos acontecimentos e tirou algumas imagens são essas as imagens que aqui serão colocadas. Não importa se estão ou não focadas, se são bonitas ou não, são imagens raras de um acontecimento que merece ser revivido. São imagens sem filtro artístico, sem o enquadramento da visão profissional, são imagens genuínas do 25 de Abril.
  
Não vivi o 25 de Abril, soube do que se estava a passar quando estava a caminho da escola, já no fim da avenida, nome pelo qual se conhecia aquela a que era a rua sem trânsito, onde ficam as lojas e as pessoas passeiam, a rua direita. Ao fim dessa rua ficava  a loja do Gravanita, vendia vinhos e outras bebidas e uma vez por ano e por mais que isso irritasse a PIDE na sua montra era exibida uma fotografia de Humberto Delgado e um ramo de flores.
  
Não vivi o 25 de Abril mas tenho orgulho nele, tenho orgulho no meu povo e no meu país, seja ele limpinho ou sujo, até porque anda por aí muita gente suja a falar de saídas limpas.
Um obrigado ao meu amigo A. Moura, o autor das imagens.