sábado, março 29, 2014

Já gastei o ódio todo que tinha

Um alentejano apanhou a mulher na cama com o vizinho e como vingança foi falar com a vizinha. Esta, indignada, fez  uma sugesto ao vizinho “Ó vizinho, atão e sa gente se vingasse neles?”. Dito e feito, a vingança foi logo ali consumada, meia hora mais tarde já a vizinha lhe perguntava “Ó vizinho e sa gente se vingasse neles ôtra vez?” E assim foi, de vingança em vingança até que perante mais uma proposta vingativa o nosso compadre lá respondeu que “Ó vizinha, desculpe lá mas eu já na tenho mais ódio.”.

Recordo-me desta velhinha anedota porque ilustra bem uma das estratégias de comunicação * do governo quando está em causa a adopção de mais uma medida brutal, injusta e sem grande justificação económica. Começa-se por chamar o Marques Mendes e dizem-lhe “Olha lá ó pequenote, vais à SIC e dizes com ar de quem sabe um segredo de alcofa da vizinha debaixo, que vamos cortar dois mil milhões. Mas não digas onde vamos cortar, diz só que os cortes são na despesa.

Logo que chega o dia do Ganda Nóia na SIC este aparece com um ar de puto que foi aos torrões de açúcar e ainda lambuzado com a doçaria que lhe deram a comer diz aos portugueses “Sabem? Eu até consegui saber, mesmo sem fazer escutas a São Bento, que o governo vai cortar 2.000 milhões e que os cortes são na despesa.”.

Durante uns dias não se fala de outra coisa, o director do Diário Económico elogia os cortes na despesa, o Ferreirinha da SIC Notícias sugere um dos capítulos do seu livro onde ensina Portugal a Salvar-se e, ao mesmo tempo, tem um orgasmo em directo, pesaroso o Vítor Bento explica que não é por um corte de mais 2.000 milhões que ficamos mais pobres do que já estamos, a Dona Maria vai dedicar-se aos carapaus alimados e Cavaco Silva recebe jovens empreendedores da Serra de Espinhaço de Cão que lhe apresentam o projecto de cruzamento do ouriço-cacheiro com a minhoca para produzir arame farpado.

Quando a sociedade já começou a aceitar os cortes escolhe-se um dia em que Passos Coelho esteja longe do país e um qualquer secretário de Estado encomenda uma dúzia de scones, chama uns jornalistas e dá-lhes a novidade. No dia seguinte as manchetes dizem que os do costume vão sofrer mais uma dose de austeridade a bem da Nação, o pessoa protesta, o Arménio Carlos dá uma conferência de imprensa, a Ana Aivola lá diz das suas com aqueles ar esgrouviado.

O governo ignora os protestos fazendo um comunicado de imprensa onde se diz que nada está decidido e quando o pessoal gasta o ódio todo o governo reúne-se e decide o que o puto lambuzado já tinha dito uns meses antes da SIC. Mas desta vez tudo correu mal e a ideia de entre impostos e contribuições extraordinária receber apenas 20% das suas pensões quando regressar à Coelha não agradou a Cavaco. Ainda por cima ele não percebe nada desses termos em inglês e a ideia de se transformar os descontos para a reforma num investimento especulativo em acções da Torralta, fazendo depender as pensões dos lucros de um país mal governado não lhe agradou nada.

Desta vez o governo lixou-se e em vez do alentejano foi um algarvio de Boliqueime que sugeriu vingança à vizinha.

* A outra estratégia é a do castigo, foi criada por Gaspar, talvez inspirado no catolicismo retrógrado da avó das Beiras. Decide-se uma medida mas como o povo se opõe ou o TC a considera inconstitucional, o governo decide uma segunda medida ainda pior, que o povo aceita com o sentimento de culpa, como se a medida agravada fosse um castigo merecido por se ter oposto à primeira medida que o governo tinha adoptado como porva da sua imensa bondade. Nesta estratégia o povo é apresentado como um mariola que a toda a hora merece levar uns tabefes.